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quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Amor, Palavra que Liberta.
"Nós que passamos apressados
Pelas ruas da cidade
Merecemos ler as letras
E as palavras de Gentileza"
Uma singela Homenagem ao grande Profeta Gentileza...
Sua infância
Com mais nove irmãos, José Datrino teve uma infância de muito trabalho, onde lidava diretamente com a terra e com os animais. Para ajudar a família, puxava carroça vendendo lenha nas proximidades. Desde cedo aprendeu a amar, respeitar e agradecer à natureza pela sua infinita bondade. O campo ensinou a José Datrino a amansar burros para o transporte de carga. Tempos depois, como profeta Gentileza, se dizia “amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”. Desde sua infância José Datrino era possuidor de um comportamento atípico. Por volta dos doze anos de idade, passou a ter premonições sobre sua missão na terra, onde acreditava que um dia, depois de constituir família, filhos e bens, deixaria tudo em prol de sua missão. Este comportamento causou preocupação em seus pais, que chegaram a suspeitar que o filho sofria de algum tipo de loucura, chegando a buscar ajuda em curandeiros espíritas.
No Rio de Janeiro
Aos vinte anos foi para o estado do Rio de Janeiro, enquanto sua família mudava-se para Mirandópolis, também cidade do interior de São Paulo. No Rio de Janeiro, casou com Emi Câmara com quem teve cinco filhos. Começou sua vida de empresário com um pequeno empreendimento na área de transportes, onde fazia fretes para o sustento da família. Aos poucos, o negócio foi crescendo até se tornar uma transportadora de cargas sediada no centro da cidade.
Surge o Profeta Gentileza
No dia 17 de dezembro de 1961, na cidade de Niterói, quando tinha 44 anos, houve um grande incêndio no circo “Gran Circus Norte-Americano“, o que foi considerado uma das maiores tragédias circenses do mundo. Neste incêndio morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças. Na antevéspera do natal, seis dias após o acontecimento, José acordou alucinado ouvindo “vozes astrais“, segundo suas próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. O Profeta pegou um de seus caminhões e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói, local que um dia foi palco de tantas alegrias, mas também de muita tristeza. Aquela foi sua morada por quatro longos anos. Lá, José Datrino incutiu nas pessoas o real sentido das palavras “Agradecido” e “Gentileza”. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar “José Agradecido“, ou simplesmente “Profeta Gentileza”.
Após deixar o local que foi denominado “Paraíso Gentileza”, o profeta Gentileza começou a sua jornada como personagem andarilho. A partir de 1970 percorreu toda a cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela natureza a todos que cruzassem seu caminho. Aos que o chamavam de louco, ele respondia: – “Sou maluco para te amar e louco para te salvar“.
Os murais
A partir de 1980, escolheu 56 pilastras do Viaduto do Caju que vai do Cemitério do Caju até a Rodoviária Novo Rio, numa extensão de aproximadamente 1,5km. Ele encheu as pilastras do viaduto com inscrições em verde-amarelo propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar da civilização. Durante a Eco-92, o Profeta Gentileza colocava-se estrategicamente no lugar por onde passavam os representantes dos povos e incitava-os a viverem a Gentileza e a aplicarem Gentileza em toda a Terra.
Citação: “Gentileza Gera Gentileza”.
Após sua morte
Em 29 de maio de 1996, aos 79 anos, faleceu na cidade de seus familiares, onde se encontra enterrado, no “Cemitério Saudades”.
Com o decorrer dos anos, os murais foram danificados por pichadores, sofreram vandalismo, e mais tarde cobertos com tinta de cor cinza. Com ajuda da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, foi organizado o projeto Rio com Gentileza, que teve como objetivo restaurar os murais das pilastras. Começaram a ser recuperadas em janeiro de 1999. Em maio de 2000, a restauração das inscrições foi concluída e o patrimônio urbano carioca foi preservado.
No final do ano 2000 foi publicado pela EdUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense) o livro Brasil: Tempo de Gentileza, do professor Leonardo Guelman. A obra introduz o leitor no “universo” do profeta Gentileza através de sua trajetória, da estilização de seus objetos, de sua caligrafia singular e de todos os 56 painéis criados por ele, além de trazer fatos relacionados ao projeto Rio com Gentileza e descrever as etapas do processo de restauração dos escritos. O livro é ricamente ilustrado com inúmeras fotografias, principalmente do profeta e de seus penduricalhos e painéis. Além de fotos do próprio profeta Gentileza trabalhando junto a algumas pilastras, existem imagens dos escritos antes, durante e após o processo de restauração.
GENTIL-IDADE texto do poeta José Carlos Pinheiro Prioste
...cinzas do anfiteatro circense que se erguem e renascem através de certa voz: o clamor nos desertos da cidade ecoou nos desvãos dos edifícios: interstícios entre a régua e a pétala, pingos d´água nos esgotos do mangue a escorrer o sangue nas artérias das avenidas: gentileza no reino das navalhas do capetal: capítulos de outra história além dos fatos: setas entre as pilastras a indicar paraíso de palavras a povoar de mensagens o rumo insano dos automóveis em procissão: paralíticos olhares navegam entre os dizeres e voam interrogações a exclamar o espanto diante do inaudito: pincéis: implosão de palavras a clamar leitores em novo sermão aos viadutos imóveis: nas entrelinhas do asfalto, nos parênteses que se abrem ao passar o rumor das buzinas: o dito, escrito, para ser lido, aprendido: inscrição rupestre de nova era a reviver a gênese de outro homem: por detrás da gravata e dos óculos persiste o animal a ruminar a fúria insana: por isso a imperiosidade da palavra enfileirada como grafite a convocar a atenção dos passeantes: desavisados se embrenham na selva selvagem: entre os portais se esgueiram nas fronteiras da matéria e se embriagam de si mesmos: o profeta reitera o que não é para ser esquecido nas roletas da urbe: a-cor-dar o cor-ação: entoar a sinfonia de tons no cerne da ausência da cidadania: habitar outra moradia: pilastras de palavras que florescem o sortilégio da terra em trânsito: o poema de cada dia a pulsar o mínimo múltiplo comum necessário à sobrevivência: se a insídia medra entre as lâminas dos vitrais, o profetizar há que se revestir do despojamento da retórica do púlpito para investir contra os moinhos de concreto: e se incerto o porvir, então mais que o certo, semear o insurgir de outra consciência: a gentileza há de engravidar-se no útero das cavernas onde aprisionado encontra-se o rebanho destinado ao matadouro das ideias: a fonte de outro pensar, gêmeo do sentir, se irmana em cortejo de cata-ventos a girassolar o solo infértil das notícias dos jornais: impressões no cimento a indiciar a passagem no deserto a denunciar o delírio do tempo: e o alvorecer de outro que teima em nascer, reviver, florescer além das cinzas...
Namastê!